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terça-feira, 22 de maio de 2012

Pastores e ex-bandidos viram peões em obra da Odebrecht

 
Vista aérea das obras de reurbanização em Curundu, em janeiro de 2012.



Curundu é a jabuticaba dos projetos da Odebrecht no Panamá – pequena e exótica. Em um universo de grandes contratos, que somam mais de US$ 2 bilhões (US$ 4 bilhões), está entre os menores: US$ 100 milhões. Não oferece desafios técnicos em engenharia. As obras que o compõe são pouco mais de um milhar de apartamentos de 48 metros quadrados, o revestimento da calha de um pequeno rio, ruas e quadras esportivas. Nada perto da construção de 14 quilômetros de linhas de metrô, da travessia subterrânea da cidade com tubos de três metros de diâmetro ou da implantação de uma estação de tratamento de esgoto para atender a 500 mil habitantes, três das mais importantes concorrências vencidas pela construtora no país. Talvez mais incomum que isso: a rentabilidade é pequena. Curundu não dá prejuízo, diz Lopes, responsável pela gestão do contrato. Mas o lucro é baixo.
Dubes Sônego
Uso de mão de obra local impulsionou a renda dos moradores de Curundu e a imagem da construtora.
Em termos institucionais e políticos, porém, o retorno é imenso. O processo de integração social que corre em paralelo às obras tem ganhado destaque na mídia. A contratação de moradores para a reurbanização de Curundu ajudou a elevar a renda média das famílias que viviam na comunidade de US$ 293 dólares mensais para cerca de US$ 480, segundo senso realizado antes e depois do início das obras. O salário médio pago a um ajudante de pedreiro, por exemplo, é de US$ 540, em um país onde o salário mínimo gira ao redor dos US$ 350 por mês. O nível de desemprego no bairro, que beirava os 70%, despencou. Em muitos casos, pessoas antes estigmatizadas conseguiram empregos fora de lá.
 
Lopes conta que, só no ano passado, a imprensa local dedicou mais de 120 notícias positivas ao processo de transformação de Curundu. O ex-presidente Lula visitou as obras, em maio de 2010. Oito dias antes, o projeto recebera o presidente panamenho Ricardo Martinelli, que tenta convencer o congresso a aprovar lei que permita a reeleição. Idealizado pelo vice-presidente, Juan Carlos Varela Rodríguez, hoje adversário político de Martinelli, o projeto acabou abraçado também por lideranças políticas de Curundu, que desde o início do governo integram a oposição.
Dubes Sônego
Primeira das três etapas das obras de Curundu está pronta. A Odebrecht planeja entregar a terceira e última até o final do ano.

O bairro, antes visto como uma chaga em uma das regiões centrais da capital panamenha, próxima à fronteira da antiga Zona do Canal do Panamá, de um dos aeroportos da cidade, do centro financeiro e de bairros nobres, se tornou um símbolo de reintegração social, em um país marcado por desigualdade de renda quase tão alta quanto a do Brasil.

“Você precisa ajudar o governo também. Não ficar querendo só comer o filé mignon. Vem comer a costela aqui comigo”, diz Lopes, quando questionado sobre as motivações não humanitárias da Odebrecht em um projeto de baixa rentabilidade como Curundu. “É aí que a gente faz a diferença. Porque outras empresas grandes que estão aqui não vieram participar da licitação. Viram a dificuldade de lidar com o social e pularam fora. Mas a repercussão positiva do que é feito aqui ofusca qualquer problema que surja em outros projetos nossos”, afirma o engenheiro.
Pragmatismo
Divulgação
Contratação de mão de obra local exigiu o emprego de técnicas de construção inicialmente mais caras para manter a produtividade.
Por ser um projeto do governo, imposto a comunidade, Lopes diz que, desde o início a obra foi vista com desconfiança pelos moradores e exigiu soluções não convencionais. Uma delas foi justamente a contratação de mão de obra local não qualificada. Para que a medida não afetasse a produtividade, a construtora optou pelo uso de um sistema de formas pré-moldadas, mais caro inicialmente, segundo Lopes, mas mais efetivo.
Outra solução foi a negociação de contrapartidas com as doze gangues de Curundu, para evitar conflitos nas obras. Um dos encontros que Lopes diz que mais o marcaram aconteceu no hotel Sheraton da cidade. A reunião terminou com um pacto de não agressão assinado em uma bíblia.

Entre os capatazes das obras, muitos são pastores de igreja ou ex-líderes de gangues, que receberam treinamento técnico. É o inverso do processo tradicional da empresa, de transformar técnicos em lideranças.
As dificuldades inerentes ao que Lopes chama de “engenharia social e de comunicação” tem garantido à empresa também a oportunidade de formar mão de obra para atuação em situações sociais adversas. Só em Curundu, está treinando uma equipe de 20 jovens engenheiros.
Mercado promissor
Dubes Sônego
Cidade do Panamá, vista da região de mangue próxima a primeira estação de tratamento de esgotos da cidade.

É um contingente que tende a ser útil no Panamá, um país pobre, mas que cresceu acima de 10% em 2011 e tende continuar a se expandir. Mesmo com a crise internacional, as estimativas são de alta por volta dos 6%, neste e no próximo ano, por causa de grandes obras, como a duplicação do Canal do Panamá, programada para ser concluída em 2014; da movimentação portuária (dois dos três maiores portos da América Latina em movimento de cargas, Colon e Balboa, ficam no país); de investimentos em infraestrutura e do comércio. “Aqui é a Miami de quem não tem visto de entrada nos Estados Unidos”, afirma Paulo Levita, diretor de sustentabilidade, comunicação e imagem da Odebrecht no Panamá.
Divulgação
Entrada do túnel da primeira linha do metrô da capital panamenha.
O país está longe de ser um dos maiores mercados internacionais para a Odebrecht. Mas segundo o executivo, tem potencial para continuar a render bons contratos. Ainda neste ano, por exemplo, podem sair a licitação para a duplicação do terminal de passageiros do aeroporto internacional de Tocumen e do segundo módulo das estações de tratamento de esgoto – o primeiro, em construção, vai atender somente a metade da demanda, de mais de um milhão de pessoas.

Há ainda uma série de projetos de obras viárias, para organizar o caótico sistema de transporte da cidade. “O governo tem a intenção de fazer cinco linhas”, afirma Marcos Tepedino, diretor da Odebrecht responsável pelo contrato da linha 1 metrô panamenho, entregue à Odebrecht.
O futuro de Curundu parece mais incerto. Dependerá em breve, entre outras coisas, de como o governo federal continuará os esforços de integração social e da pressão de gangues externas pela área de Curundu, hoje fortemente policiada. Segundo Lopes, a participação da construtora se encerrará em breve. A expectativa é entregar as obras até o final deste ano, um pouco antes do prazo limite, que vence em abril de 2013.
 
Curundu, vista do alto, antes do início das obras de reurbanização
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Ig.

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