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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Você é evangélico? Pense de novo!


Marcelo Lemos

       Muitos confundem um sistema religioso autodenominado ‘evangélico’ com o próprio evangelho. Mas, o que muitos parecem não entender neste debate é que considerar-se evangélico tem haver com uma bem definida compreensão do que é o Evangelho de Cristo. Irei comentar alguns dados históricos e teológicos, e ao terminar espero que o leitor pergunte a si mesmo: Sou realmente um evangélico?

Por razões históricas mais ou menos justificadas, boa parte de nós toma o termo “evangélico” como sinônimo de “não católico”, ou pior ainda, de “anticatólico”. Penso que é uma analise estreita do problema, e sem muito valor teológico. No máximo, tal compreensão tenta nos dizer o que um evangélico não faz, sem esclarecer nada sobre o que ele faz e crê. É bom saber que evangélicos não aceitam a Infabilidade do Papa, a Intercessão dos Santos e o valor das procissões, porém, isso não nos diz nada sobre qual é a natureza do Evangelho.

Então, qual é a natureza do Evangelho? Foi essa a pergunta originou a Reforma Protestante. Foi essa pergunta que dividiu o Ocidente entre “católicos” e “evangélicos”. Lutero não se rebelou contra o Papa, nem contra os dias santos, ou qualquer outra coisa que os evangélicos de hoje odeiam no Catolicismo. Sim, com o tempo, Lutero acabaria combatendo tais coisas, mas não foi isso que deu origem a Reforma. Lutero se deu conta que a Igreja, ou uma parte significativa dela, havia perdido o significado real do que era o Evangelho. De fato, a Religião Cristã estava envolvida em exigências e regras tão pesadas, e vinha mesclando-se a superstições tão absurdas, que a Boa Notícia tornara-se um grande fardo. Lutero compreendeu que a salvação dava-se exclusivamente “pela fé”, e isso mudaria a história do Ocidente.

Se Deus é Santo, se odeia o pecado, e se o homem é tão pecador como a Bíblia diz, que esperança temos de alcançar a salvação? Certamente a esperança não pode estar no legalismo, nem na superstição. Nos dias de Lutero alguns líderes da Igreja ofereciam a salvação a troco de moedas; ritos e sacrifícios eram a oposta de outros. Lutero percebeu o erro ao encontrar na Bíblia que a salvação era um dom, e que nascida da iniciativa de Deus e não dos méritos do homem. “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós, é Dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8-9).

Lutero, e os chamados Reformadores, compreenderam que o Evangelho era extremamente simples. O Evangelho não carece de ritos, estruturas burocráticas ou rituais místicos. O Evangelho resume-se em uma única coisa: confiar em Cristo. Não é algo extremamente simples? De fato é. Porém, ouso dizer que é muito mais simples do que talvez você esteja concluindo ao ler isso. Sim, pois há o risco de confundir a confiança em Cristo com a confiança na fé em Cristo. O Evangelho é tão simples, tão simples, que não pode sequer ser compreendido como ter fé na fé! Não precisamos ter fé na fé que temos em Cristo para alcançarmos a salvação – apenas precisamos ter fé em Cristo! Ainda que às vezes o cristão possa duvidar de si mesmo, ainda que possa questionar a qualidade da sua fé pessoal, se ele de fato compreende a simplicidade do Evangelho, não questionará a fidelidade de Cristo! Ainda que sua fé seja pequena, frágil e capaz de dúvidas, o cristão joga-se nos braços de Cristo. Se entender isso, compreendeu a simplicidade do Evangelho. “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo” (II Timóteo 2.13).

O Arcebispo Tomas Cranmer, um dos mais importantes Reformadores da Igreja da Inglaterra, escreveu sobre isso. “A nossa fé em Cristo nos diz isso: ‘Não sou eu [a sua fé pessoal] quem paga os seus pecados, senão somente Cristo; e somente a Ele te envio para tal propósito, esquecendo até mesmo as tuas boas obras, palavras e pensamentos, e colocando tua confiança apenas em Cristo!’”(1). É importante compreender isso: não é a fé quem nos salva, mas a fé em uma pessoa, o Cristo! Dito de outro modo, Cristo é quem nos salva, e a fé é o caminho pelo qual Deus nos conduz a Seu Filho.

Que isso tem haver com ser evangélico? A resposta talvez esteja enublada pela extrema confusão dos nossos dias. Nossos evangelistas pregam as mais variadas e criativas regras para a salvação: desde não tomar Coca-Cola a não escutar Bossa Nova. Nossos pastores nos convencem do valor e da eficiência de ritos como tomar água “orada”, comprar lenços ungidos e coisas semelhantes. Que isso tem haver com ser evangélico? Absolutamente nada, pois nada disso tem haver com tudo aquilo que expusemos até agora! É decepcionante ter de fazer tal denúncia, mas o fato é que a Igreja Evangélica de hoje prega tudo, menos o Evangelho. Parece contraditório, mas “deixar de ser evangélico” pode ser uma manifestação de desejo por voltar a ser, de fato, “evangélico”.

Uma multidão de evangélicos troca de salvação mais vezes que de camisa. Se estão bem consigo mesmos sentem-se salvos, mas se estão deprimidos, se percebem que cometeram alguma falha, sua confiança se esvai. Eles se sentem salvos hoje, mas nada garante a respeito de seu próprio futuro. A salvação para eles é algo que depende o que fazem para Deus. Eles acreditam - ainda que não confessem - que a salvação depende de seus próprios méritos. Não são herdeiros de Lutero.

Outros seguem inabaláveis em suas convicções anticatólicas. Porém, isso não lhes impede de acreditar na infabilidade de pastores ou levitas. Combatem a idolatria e a superstição dos outros, mas são incrivelmente tolerantes com suas próprias blasfêmias contra o Evangelho. Não são herdeiros da Reforma!

A pergunta que fica é uma só: você é evangélico? Uma pergunta ariscada, que talvez mostre ao leitor que uma resposta positiva não obriga ninguém a estar preso ao sistema que se apoderou do título.

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